Reflexões dos fatos e números da cana em março/abril e o que acompanhar em maio
Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande
Na cana, a safra 2023/24 da região Centro-Sul do Brasil foi marcada como a maior da história com a moagem de 654,4 mi de t de cana-de-açúcar, um aumento de 19,3% do ciclo passado (548,6 mi de t). No acumulado da temporada, o mix de produção foi de 51,1% para o etanol e 48,9% para o açúcar. Já no recorte do final da safra, na segunda quinzena de março a preferência pelo etanol foi de 66,5% e de 33,5% pelo açúcar. Os dados são da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar e Bioenergia).
Em nível nacional, o relatório da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) indicou que a produção de cana-de-açúcar no Brasil, em 2023/24, foi de 713,2 mi de t, 16,8% superior ou simplesmente 102,4 mi de t a mais do que 2022/23. As principais regiões produtoras foram: 1º) Sudeste com 469,0 mi de t (+21,0%); 2º) Centro-Oeste com 145,0 mi de t (+10,4%); e 3º) Nordeste com 56,5 mi de t (-0,7%). Os estados que mais produziram foram: 1º) São Paulo, com 383,4 mi de t (+22,5%); 2º) Minas Gerais com 81,4 mi de t (+15,4%); e 3º) Goiás com 76,6 mi de t (+8,0%). Em relação aos produtos do setor, a produção nacional de açúcar foi de 45,7 mi de t (+24,1%) e o etanol somou 35,4 bilhões de litros (+14,4%), sendo 29,7 bi de l da cana-de-açúcar (+11,9%) e 5,9 bi de l do milho (+33,1%).
Na temporada recém-encerrada, a produtividade dos canaviais também foi destaque. O rendimento registrado pelo CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) na região Centro-Sul foi de 87,2 t/ha, representando um avanço de 19,0% frente ao ciclo anterior, que foi reflexo das boas condições climáticas para o desenvolvimento da cana ao final de 2022 e início de 2023, principalmente. Enquanto isso, a qualidade da matéria-prima mensurada pelo valor do ATR (Açúcares Totais Recuperáveis), ficou em 139,2 kg/t, configurando uma redução de 1,1%. Porém, a queda foi, inclusive, menor do que o previsto diante do alto volume de chuvas e extensão da moagem no período.
Dados da B3, a Bolsa de Valores do Brasil, indicaram que até o dia 31 de março foram emitidos 53,6 mi de CBios (Créditos de descarbonização) pela parte obrigada e não obrigada do programa RenovaBio. Esse total é bastante superior a meta compulsória estabelecida pelo governo de 37,4 mi de créditos até a mesma data. Para 2024, a meta é de 38,7 mi de CBios para ser cumprida até o último dia deste ano (31/12). Somente nos primeiros 3 meses de 2024, o volume emitido de CBios foi 25% maior em relação ao mesmo período de 2023.
Mais usinas de açúcar e etanol estarão em operação em abril deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado, marcando o início da temporada de processamento de cana no Centro-Sul do Brasil. Segundo a Unica, o número de unidades em operação até o final de abril deve atingir 230 (eram 212 em 2023). Apesar da previsão de um retorno mais significativo após a entressafra, o mercado espera uma redução na safra 2024/25 em relação ao recorde da temporada anterior.
A Mitsui e a empresa brasileira Geo Biogás anunciaram a criação de uma joint venture chamada GeoMit para construir e operar plantas de biogás e biometano no Brasil. O objetivo é diversificar o fornecimento de gás no país com fontes renováveis, usando resíduos orgânicos da cana-de-açúcar, como a vinhaça. A Geo já tem experiência no setor, com quatro plantas operacionais no Paraná e São Paulo, e o negócio reflete o interesse crescente em projetos de biogás e biometano no agronegócio brasileiro. Empresas como a Atvos também estão investindo nesse segmento, destacando o potencial do Brasil para energia renovável.
No açúcar, a produção total da temporada 2023/24 alcançou o recorde de 42,4 mi de t, um aumento de 25,7% frente ao ciclo anterior (33,7 mi de t). Mesmo com crescimento significativo na produção do adoçante (8,7 mi de t a mais), somente 2,2 mi de t foram por conta da mudança no mix de produção, os 6,5 mi de t restantes foram reflexo do maior processamento da safra, segundo dados também da Unica.
A exportação de açúcar também foi recorde em março de 2024, alcançando de 2,7 mi de t (+48,8%) em volume e U$ 1,5 bi (+77,3%) em faturamento, com um preço médio de US$ 543,0 (+19,1%). As vendas externas brasileiras foram bastante influenciadas pela queda na produção indiana do adoçante, o país chegou a importar 501,5% mais açúcar no mês (US$ 216,4 mi). Ainda, outros 2 países também ajudaram a alavancar as exportações de açúcar do Brasil, comprando mais de US$ 100 mi do nosso produto: a Indonésia e os Emirados Árabes Unidos.
Em relação ao mercado de açúcar, o Rabobank espera um equilíbrio tanto na safra recém-encerrada, com leve excedente de 1,9 mi de t, quanto na temporada que se inicia, com expectativa de déficit de apenas 1,3 mi de t. Apesar da queda nos preços do açúcar, os futuros ainda permanecem elevados historicamente, com exportações brasileiras robustas.
As usinas de açúcar na Índia produziram 31,1 mi de t de açúcar entre outubro e abril (-0,5%). A Associação Indiana de Fabricantes de Açúcar e Bioenergia relatou que as usinas estão encerrando as operações mais cedo este ano. A Índia, segunda maior produtora de açúcar do mundo, não permitiu exportações nesta temporada para controlar os preços locais antes das eleições parlamentares, que estão programadas para ocorrer entre o final de abril até o início de junho.
A safra global de açúcar 2023/24 (outubro a setembro) deve apresentar um superávit de 1,01 mi de t, segundo estimativa feita pela Nova Cana com 19 empresas do setor (tradings, consultorias, bancos e outros). A projeção vai em linha com o que diversas organizações têm apontado, embora esteja abaixo das demais. Algumas previsões recém-divulgadas: S&P Global estima superávit de 6 mi de t; StoneX aponta 3,88 mi de t; Czarnikow estima 3,5 mi de t; a hEDGEpoint projeta 3,5 mi de t; e a Raízen fala em 3,2 mi de t.
Segundo o USDA, a produção de açúcar na China em 2024/25 deve somar 34,5 mi de t, 500 mil t a mais do que o ciclo atual, graças a previsão de clima favorável neste período. As exportações devem somar 3,7 mi de t, contra 4,6 mi de t do ciclo atual; queda justificada pela manutenção nos limites de exportações impostos pelo governo local para atender o consumo interno. Além disso, o governo indiano voltou a afirmar que deve retomar o programa de etanol, recentemente: a hEDGEpoint estima que 5,5 mi de t de açúcar devem ser “tiradas” do mercado para produção do biocombustível. Na Tailândia, a produção de açúcar deve cair 21,2% em 2023/24, somando 8,7 mi de t, segundo o Conselho de Açúcar e Cana do país.
Em relação aos preços, em Nova York, o contrato com vencimento em mai/2024 estava cotado em 19,80 centavos de dólar por libra-peso na conclusão da nossa coluna, uma queda mensal de 8,2% (19/03: 21,56 cts/lb). Em Londres, o lote de ago/2024 estava cotado em US$ 568,90/t e o contrato de out/2024 em US$ 547,20/t. No mercado interno, o açúcar Cristal Branco (São Paulo) estava em R$ 150,29/sc (50kg), segundo o Cepea/Esalq, alta mensal de 3,3%. Para fins comparativos, a cotação em dólar era de US$ 28,93/sc.
No etanol, a produção também foi recorde na histórica safra 2023/24, com um total de 33,6 bi de litros, alta expressiva de 16,2% se comparado ao último ciclo (28,9 bi de litros). Desse volume, 13,1 bi de litros foram de etanol anidro (+6,6%) e 20,5 bi de litros do hidratado (+23,2%). Vale destacar o aumento significativo de 1,8 bi de litros do etanol proveniente do milho 2ª safra. A produção do biocombustível que utiliza o cereal como matéria-prima obteve um crescimento de 41,4%, somando 6,3 bi de litros, configurando uma participação de 18,6% do total produzido no Centro-Sul.
Enquanto isso, em março, mesmo não sendo tipicamente o mês de maior demanda pelo biocombustível, as vendas de etanol transacionaram o maior volume desde o início da safra: foram 3,0 bi de litros comercializados (247,9 mi para exportação e 2,8 bi para o mercado interno). Olhando para o total doméstico, 1,8 bi de litros foram do hidratado (+59,2%) e 937,4 mi de litros do anidro (+0,9%). Já no acumulado da safra, 32,8 bi de litros foram vendidos (+12,7%), sendo 11,7 bi do anidro (+5,7%) e 18,6 bi do hidratado (+20,6%). O crescimento relevante do último é explicado principalmente pelo restabelecimento do diferencial tributário entre o renovável e o fóssil em meados de 2023, que aumentou a competitividade do biocombustível nas bombas.
O Rabobank prevê um cenário de reequilíbrio para o mercado de etanol na temporada 2024/25, apesar da diminuição da moagem e grande direcionamento do mix para o açúcar, estimado para ficar em 51,5%. Isso porque mesmo com a queda de 3,3 bi de litros projetada para o biocombustível originado da cana, a produção do renovável proveniente do milho deve crescer até 1,9 bi de litros, podendo atingir 8 bi de litros no ciclo. Além disso, com a possibilidade de aprovação do projeto de lei do Combustível do Futuro, que implicaria em uma mistura de 30% de etanol na gasolina, os preços do biocombustível podem receber um apoio adicional.
A Raízen está investindo na fabricação de etanol de segunda geração (E2G), com planos ambiciosos de expansão. Desde meados de 2021, a empresa anunciou a construção de três novas plantas, com o objetivo de chegar a 20 unidades até 2030/31. A ideia é investir cerca de R$ 24 bi até 2030 para alcançar uma capacidade de produção anual de aproximadamente 1,6 bi de litros de E2G. A Raízen já investiu significativamente na área nos últimos anos, com mais de R$ 3 bi aplicados desde o segundo trimestre de 2021/22.
Segundo a SCA Brasil, os preços do etanol hidratado (já com impostos), em Ribeirão Preto (SP), estavam em R$ 2,90/l em 22/03. No anidro, os preços eram de R$ 2,8/l (mesma praça e data).
Valor do ATR: no último referente a safra 2023/24, março, o Açúcar Total Recuperável (ATR) foi precificado a R$ 1,1423/kg, segundo o Consecana (Conselho dos Produtores e Indústria da Cana), baixa mensal de 0,6%. Os preços mensais da safra recém-concluída ficaram assim: abril/23, R$ 1,2129/kg; maio/23, R$ 1,1943/kg; junho/23, R$ 1,2223/kg; julho/23, R$ 1,2153/kg; agosto/23, R$ 1,1930/kg; setembro/23, R$ 1,2051/kg; outubro/23, R$ 1,2376/kg; novembro/23, R$ 1,2346/kg; dezembro/23, R$ 1,2049/kg; janeiro/24, R$ 1,1508/kg; fevereiro/24, R$ 1,1502/kg; e março/24 em R$ 1,1402/kg. Dessa forma, concluímos 2023/24 com o acumulado em R$ 1,2028/kg, em linha com a nossa aposta ao longo da safra, que foi de R$ 1,20/kg. Para 2024/25, acreditamos em um valor um pouco inferior, entre R$ 1,15/kg a R$ 1,17/kg. Vamos acompanhar!
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em maio na cadeia da cana:
- Seguir acompanhando o início da moagem de cana-de-açúcar no Brasil. Teremos os resultados no 1º mês de 2024/24 (abril), já demonstrando alguns dados de eficiência/produtividade, bem como da orientação das usinas quanto a produção. Mesmo com um maior número de usinas já em operação na comparação com o ciclo passado, a moagem deve ser menor, estimada recentemente pelo USDA em 645 mi de t (-8%).
- Acompanhar o clima no Brasil (transição do “El Niño” para “La Niña”; chuvas recentes na região Centro-Sul; possibilidades de frentes frias a caminho) e na Ásia, pensando já no próximo ciclo (na Índia, a Skymet estima que entre junho e setembro de 2024, período ideal para desenvolvimento da cana-de-açúcar na região, as chuvas devem ficar 102,0% na média normal para o período).
- No mercado de açúcar, acompanhar as estimativas mais recentes relacionadas ao superávit no ciclo vigente e próximo. A maior parte das consultorias tem elevado as previsões (oscilando de 1,0 a 6,0 mi de t), o que tem afetado os preços e mantido as negociações em Nova York abaixo dos 20 cts/lb. Por outro lado, o governo Indiano deve manter as restrições para exportações e deve voltar a discutir o programa do etanol, direcionando mais cana para o biocombustível. Este é o fator principal para olhar nesse momento.
- No etanol, parece que “o jogo está virando”. Março registrou a maior venda no mercado interno (3,0 bi de litros no mês), demonstrando a recuperação no consumo nos postos. Por outro lado, esse fator tem elevado os preços (maior demanda), o que pode “mudar o jogo” no próximo mês. Enquanto a Petrobras afirma que vai manter o preço da gasolina e do diesel, no mercado de petróleo, as cotações superaram os US$ 91/barril nesse último mês. No fechamento da nossa coluna, o Brent estava em US$ 87,29/barril (+2,9%) e o WTI em US$ 83,14/barril (+3,1%). Nos EUA, o governo deve permitir a mistura de 15% do etanol na gasolina durante o verão, preocupado com a oferta apertada do combustível fóssil, em vista das guerras. E tem também a situação do câmbio.
- Por fim, vale um tópico apenas para o “Projeto Combustível do Futuro”, aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, e que propõe diversas inclusões na área de biocombustíveis no país. A proposta do governo é de elevar a mistura do etanol na gasolina, de 27,5% para 30,0%, já no próximo ano; e fazê-lo chegar a 35,0% até 2030. Vamos acompanhar os avanços e impactos para o setor.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio.
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP e mestre em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.