Prof. Dr. Marcos Fava Neves, Vinicius Cambaúva e Beatriz Papa Casagrande
Na cana, a moagem acumulada da safra 2023/24 alcançou 647,1 mi de t, um avanço de 19,1% frente ao ciclo passado (543,3 mi de t), de acordo com a Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar). Na segunda quinzena de fevereiro, o volume chegou a 551,7 mil t moídas, enquanto no mesmo período do ano anterior o processamento foi de 71,8 mil t (+668,5%). Já a qualidade da matéria-prima, medida pelo ATR (Açúcares Totais Recuperáveis), obteve uma retração de 1,1% em relação a última safra, chegando a 139,5 kg/t na posição acumulada.
Nos últimos 15 dias de fevereiro, 2 unidades iniciaram os trabalhos para a safra 2024/25. No final do mês, 17 unidades estavam em operação na região Centro-Sul, sendo 5 usinas processadoras de cana, 9 de milho e 3 “flex”. A Unica espera que mais 28 unidades tenham reiniciado as atividades na primeira quinzena de março.
Para o mix de produção, na segunda quinzena de fevereiro as usinas demostraram maior preferência para o etanol, com 76,6% da cana sendo transformada no biocombustível e os 23,4% restantes em açúcar. Já no acumulado da safra, o mix está em 51,0% para etanol e 49,0% para açúcar.
No mercado de CBios (Créditos de descarbonização), dados da B3 indicam a emissão de 7,7 mi de créditos até o dia 8 de março deste ano. Em posse da chamada “parte obrigada” do RenovaBio já somam 41,3 mi de créditos, o que já é acima da meta estabelecida para 2023 (37,5 mi de CBios) com prazo de cumprimento até 31 de março.
Segundo a hEDGEpoint Global Markets, prevê uma moagem de cerca de 605 mi de t, o que poderia resultar em uma redução de 8,4% na produção. Enquanto isso, a Unica projeta queda de quase 10% para o próximo ciclo chegando a 592 mi de t, mesmo assim, os estoques devem ser suficientes. A StoneX, por sua vez, baixou de 622 para 602 milhões de t a perspectiva de moagem da cana no Centro-Sul.
Durante a safra 2022/23, o setor sucroenergético enfrentou um aumento considerável nos custos de produção devido às significativas elevações nos preços dos insumos agrícolas, como revelado pela Pecege Consultoria e Projetos. O gasto com insumos e diesel por tonelada de cana produzida aumentou em R$ 21,0 impulsionando os custos totais de produção da cana-de-açúcar. No entanto, na temporada 2023/24, observou-se uma reversão dessa tendência, com reduções nos preços médios dos insumos, incluindo fertilizantes, defensivos agrícolas e combustíveis, o que indica uma estabilização na oferta e retorno a valores mais habituais.
No açúcar, a produção acumulada de 2023/24 desde 1º de abril totaliza 42,2 mi de t (+25,7%) diante das 33,6 mi de t da temporada passada. Nos últimos 15 dias de fevereiro a produção foi de 16,1 mil t, segundo a Unica.
O Brasil exportou 3,0 mi de t de açúcar em fevereiro deste ano, representando mais um recorde de volume, com um aumento anual expressivo de 163,5%. O cenário de preços elevados e oferta limitada no mercado internacional fizeram o produto com a maior contribuição para o aumento das exportações do agronegócio em fevereiro. Assim, a receita também atingiu o recorde de U$ 1,6 bi (+202,0%) com um preço médio da t em US$ 524,00 (+14,6%). A Índia (2ª maior produtora de cana-de-açúcar) foi, mais uma vez, a maior importadora do açúcar brasileiro.
Na próxima temporada 2024/25, as usinas de cana-de-açúcar do Brasil planejam aumentar sua capacidade de produção de açúcar em até 10%, devido aos preços relativamente altos do adoçante e à oferta abundante de milho, que se tornou uma matéria-prima forte para a produção de etanol. Na safra 2022/23, a alocação do açúcar em detrimento do biocombustível já foi a maior dos últimos 12 anos, e a expectativa é de que este ano seja ainda maior. A consultoria StoneX estima uma produção recorde para o adoçante de 43 mil de t, compensando inclusive, a expectativa de queda na produção da matéria-prima.
Em 2023, as empresas Sucden, Raízen e Louis Dreyfus controlaram 30,5% do mercado de exportação de açúcar brasileiro, enviando 8,6 mi de t via navio, de acordo com dados da agência marítima Williams. Para 2024, as perspectivas dessas três empresas convergem principalmente na preocupação com o clima seco no Brasil, diante da redução de 8,8% na moagem de cana.
Na data de fechamento da nossa coluna, os preços futuros do açúcar na bolsa de Nova York estavam cotados a 21,85 centavos de dólar por libra-peso (contrato de mai/2024). A queda recente tem relação com a volta das chuvas na região Centro-Sul do Brasil, mesmo com a perspectiva de moagem menor. Em Londres, o contrato de mai/2024 do açúcar branco estava sendo negociado em US$ 638,90/t.
O açúcar Cristal Branco (São Paulo), divulgado pelo Cepea/Esalq, estava em R$ 145,25/sc (50kg) no fechamento da coluna, em 25/03, praticamente o mesmo valor que estava há um mês; ou US$ 28,05/sc.
No etanol, a fabricação total desde o início da temporada 2023/24 até 1º de março foi de 32,7 bi de litros (+15,7%), sendo 19,7 bi de etanol hidratado (+21,4%) e 13,0 bi de anidro (+7,9%). Já a produção de etanol proveniente do milho, a posição acumulada foi de 5,7 bi de litros, representando um aumento de 42,8% em relação ao mesmo período do ciclo anterior. Somente na segunda metade de fevereiro, 89% do biocombustível total produzido veio do milho.
As vendas de etanol em fevereiro alcançaram 2,8 bi de litros (+32,4%), dos quais 998,8 mi de litros foram de anidro (+5,3%) e 1,8 bi de litros do hidratado (+54,2%). Enquanto no acumulado da safra 2023/24, a comercialização foi de 29,8 bi de litros (+11,2%): 11,7 bi de litros do anidro (+1,3%) e 18,1 bi de litros do hidratado (+18,6%). Olhando para o mercado doméstico, as vendas totalizaram 1,7 bi de litros (+53,9%). Se comparado a janeiro, as vendas cresceram 11% por dia útil mesmo o mês tendo 3 dias úteis a menos, isso porque o biocombustível tem apresentado alta competitividade frente ao concorrente fóssil.
A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar deve cair quase 3 bi de litros no ciclo 2024/25 (-10,4%) ficando em 24,5 bi de litros. Enquanto isso, o biocombustível à base do milho deve chegar a 7,2 bi de litros (+16,0%). É possível observar uma mudança no setor, com o etanol de milho apresentando melhor custo-benefício, as usinas optam pelo açúcar, é o que diz a consultoria Stonex.
Com a crescente adoção de veículos elétricos, os investimentos em carros híbridos, incluindo o uso do etanol, estão em ascensão. Essa perspectiva sugere um potencial de crescimento significativo que pode dobrar a produção de cana e triplicar a de etanol. Com metas ambiciosas de redução de emissões e investimentos substanciais das montadoras nesses novos modelos, como Toyota e Stellantis, o Brasil emerge como um grande protagonista nesse cenário. Além disso, o desenvolvimento do etanol de segunda geração abre novas oportunidades não apenas no mercado interno, mas também nas exportações, consolidando ainda mais o papel do Brasil na transição energética global.
Segundo a SCA Brasil, os preços do etanol hidratado (já com impostos), em Ribeirão Preto (SP), estavam em R$ 2,720/l em 22/03. No anidro, os preços eram de R$ 2,550/l (mesma praça e data).
Valor do ATR: em fevereiro de 2024, segundo dados do Conselho dos Produtores e Indústria da Cana (Consecana), o Açúcar Total Recuperável (ATR) fechou o mês em R$ 1,1502/kg, praticamente o mesmo valor do mês passado. O histórico da safra atual é o seguinte: abril, R$ 1,2129/kg; maio, R$ 1,1943/kg; junho, R$ 1,2223/kg; julho, R$ 1,2153/kg; agosto, R$ 1,1930/kg; setembro, R$ 1,2051/kg; outubro, R$ 1,2376/kg; novembro, R$ 1,2346/kg; dezembro, R$ 1,2049/kg; janeiro, R$ 1,1508/kg; e fevereiro em R$ 1,1502/kg. No acumulado de 2023/24, chegamos a R$ 1,2123/kg. Nossa sugestão é de que termine o ciclo atual ao redor de R$ 1,20/kg. Para 2024/25, acreditamos em um valor um pouco inferior, próximo a R$ 1,15.
Para concluir, os cinco principais fatos para acompanhar em abril na cadeia da cana:
- Início das operações de moagem da safra 2024/25 no Brasil. O dia 1º de abril representa o começo oficial do novo ciclo no Centro-Sul. Nos últimos dias, as chuvas voltaram a região. Mesmo com perspectiva de queda na moagem, os altos volumes de cana indicam que é essencial iniciarmos bem e sem atrasos.
- Clima no Brasil, especialmente na região Centro-Sul. No último mês, alguns períodos de estiagem fizeram com que as estimativas de moagem fossem revistas para baixo: Hedge Point fala em 605 milhões de t; StoneX em 602; e Unica já sinaliza 592 milhões de t. O início da neutralidade do El Niño e a transição para o La Niña devem mudar o cenário de clima, trazendo impactos às lavouras que precisam ser mensurados.
- No açúcar, o preço veio abaixo dos 22 centavos de dólar por libra-peso com a melhora do clima e perspectiva de produção na Índia e Tailândia, mesmo com os reajustes na moagem do Brasil. O regresso das chuvas ao Centro-Sul e o elevado volume de produção no Brasil – especialmente com o início da safra – devem manter os preços nos níveis atuais; importante acompanhar. No fechamento da nossa coluna, o contrato de maio/2024 estava em 21,85 cts/lb.
- Nos combustíveis, olhar para as vendas e consumo do etanol no mercado interno, especialmente do hidratado. Desde o início de 2024, a comercialização vem se recuperando e o acumulado de 2023/24 já se aproxima dos 30 bi de litros, 11% superior (o hidratado está 18,6% maior) ao ciclo passado. Até meados de março, 13 estados brasileiros e o Distrito Federal apresentavam paridade favorável ao biocombustível.
- Por fim, no cenário internacional, acompanhar os desdobramentos dos eventos geopolíticos globais, com destaque para a continuidade dos conflitos no Oriente Médio e os novos episódios entre Rússia e Ucrânia. Analisar, principalmente, os impactos na cadeia de suprimentos e no setor petrolífero. Em 25/03, o barril Brent estava cotado a US$ 86,84 (+ 6,3% no comparativo mensal) e o WTI em US$ 82,02/barril (+ 5,7%). Mesmo com a alta, a Petrobras mantém, há 150 dias, os níveis de preços da gasolina, atualmente, 17% abaixo do mercado internacional.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group e professor na Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto – SP. Engenheiro Agrônomo pela FCAV/UNESP e mestre em Administração pela FEA-RP/USP. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.