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Posição crítica sobre o julgamento do STF na questão do FUNRURAL (RE 718.874)

Jeferson da Rocha

 

A Suprema Corte, em quase uma década de jurisprudência consolidada, desde o julgamento do RE 363.852, tem dito que a Contribuição Social Rural – Funrural, cobrada pelo art. 25 da Lei 8.212/91 do produtor rural empregador pessoa física, é inconstitucional. A tese que sempre prevaleceu no STF – e foi seguida pela maioria dos Tribunais e Juízes Federais pelo Brasil – teve por base o princípio de que: “…a incidência da contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização pelo empregador rural, pessoa natural, constituiria nova fonte de custeio criada sem observância do art. 195, § 4º, da CF, uma vez que referida base de cálculo difere do conceito de faturamento e do de receita.” (RE n.° 626.528/SC, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJe-155 DIVULG 20/08/2010).

Além dessa flagrante violação ao texto da Constituição Federal, os Insignes Ministros que compunham a Suprema Corte em 2010, no caso do Frigorífico Mataboi, RE 363.852, e, um ano mais tarde, em 2011, no RE 596.177, também levantaram outros fundamentos para a inconstitucionalidade do Funrural, como a quebra a princípio da igualdade e isonomia (produtor pagando sobre o resultado e empregador urbano pagando sobre a folha), a quebra do princípio da estrita legalidade em matéria tributária, a bitributação, além de apontarem a ausência de fato gerado e alíquotas na Lei 10.256/01 que pudesse justificar, de forma válida, a cobrança do Funrural, como elucida o voto do Exmo. Sr. Min. MARCO AURÉLIO no RE 596.177/RS: “..apenas em atenção ao que foi veiculado da tribuna, consigno que persiste o erro glosado quando do pronunciamento anterior do tribunal. É que Veio a baila não uma lei complementar, que atendesse o art. 195, §4° da Constituição Federal, mas sim uma Lei Ordinária, 10.256, e nem se diga que a Emenda Constitucional n.° 20, acabou por plecitar a utilização de Lei Ordinária na criação desse tributo, porque a Emenda apenas alterou o parágrafo oitavo do artigo 195, para expungir a referencia a garimpeiro. A situação portanto é idêntica aquela com a qual se defrontou o plenário que concluiu pelo provimento do recurso do contribuintequando do julgamento do RE 363852, reporto-me ao voto proferido que farei juntar ao processo e acompanho o Relator, provendo o Recurso e declarando a inconstitucionalidade dos preceitos referidos por sua Excelência.”    

Portanto, já haviam votado pela inconstitucionalidade do Funrural em ocasiões anteriores os Ministros CELSO MELO, RICARDO LEWANDOWSKI, MARCO AURÉLIO, GILMAR MENDES, DIAS TOFFOLI, LUIZ FUX e a Ministra CARMEN LÚCIA. Enfim, todas as teses jurídicas adotadas por estes Ministros deveriam prevalecer, mesmo em relação a nova redação dada ao art. 25 da Lei 8212/91, pela Lei 10.256/2001 (pós EC n. 20), já que a “situação … é idêntica aquela com a qual se defrontou o plenário que concluiu pelo provimento do recurso do contribuinte … quando do julgamento do RE 363852”.

Ocorre que o STF, ao julgar o RE 718.874, no dia 31 de março de 2017, ignorando todo o histórico jurisprudencial de quase uma década, acabou por entender como válida a cobrança, sob o argumento de que a Lei 10.256/2001 seria uma “lei nova” que havia “constitucionalizado” o tributo, além de que eventual procedência da tese colocaria em risco as finanças da Previdência.

O julgamento, apertado, cujo placar foi de 6 x 5 para a Fazenda Nacional, contou com a mudança de posicionamento dos Ministros GILMAR MENDES, DIAS TOFFOLI, LUIZ FUX E CARMEN LUCIA, o que causou perplexidade nos meios jurídicos e entre os próprios produtores rurais, pois revelou-se nítido o caráter político dos votos que acabaram prevalecendo. Além desses ministros votaram contra a tese do produtor os Ministros ALEXANDRE DE MORAES E LUIS ROBERTO BARROSO.

Apenas para ilustrar o tamanho da contradição revelada com o julgamento recente, colhe-se da própria página do Supremo na internet as conclusões de 2011 e, em posição diametralmente oposta, de 2017, acentuando o clima de insegurança jurídica e instabilidade social causada pela decisão:

Ora, em 2011, o STF diz em seu informativo que “Empregador rural pessoa física não precisa recolher contribuição sobre a receita bruta” e em 2017, o mesmo Supremo diz que a “Contribuição de empregador rural pessoa física ao Funrural é constitucional”. (!?).

Portanto, um clima de desconfiança está hoje a contaminar o AGRO brasileiro, sobretudo diante do posicionamento da CNA, que trabalhou incansavelmente nos bastidores pela constitucionalidade do tributo, visitando gabinetes e distribuindo notas publicas e memoriais, causando revolta entre os produtores[1]. Outro fogo amigo, decisivo para o resultado contrário, partiu dos que “pressionaram” o STF para que o julgamento acontecesse o mais rápido possível, o que culminou, em um momento de crise como esse, nessa decisão desastrosa para os agropecuaristas brasileiros.

Porém, nem tudo está pedido, existem chances de reversibilidade do provimento junto ao próprio Supremo. Trabalhamos com duas linhas de atuação no STF. A primeira, através da amicus curae Andaterra, que deverá, assim que publicado o Acórdão, interpor Embargos de Declaração com efeito modificativo, buscando demover ao menos 1 voto, o que já seria suficiente para ganharmos a ação. Além disso, existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, ADI 4395, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que se sobrepõe a qualquer outro caso e pode reverter a situação, além de modular os efeitos, para o tributo passe a ser exigido só do julgamento em diante.  No campo legislativo, estamos trabalhando uma Medida Provisória que poderia remir a dívida para o passado ou uma Resolução do Senado Federal, amparada no art. 52, X, da CF, que poderia retirar o art. 25 da Lei 8212/91 do ordenamento jurídico, deixando a norma vazia, sem possibilidade de justificar a cobrança do Funrural.

No entanto, referido trabalho que temos feito em Brasília depende, fundamentalmente, de uma mobilização do setor. Isso para desfazer toda a imagem contrária que a CNA fez no STF, pois para os Ministros, induzidos pela Confederação, o Funrural da forma com que é cobrado hoje estaria beneficiando mais de 80% dos produtores, o que, com todo o respeito, não é verdade. Em primeiro lugar, pagamos, segundo estudo da Farsul e Andaterra[2] até 10 vezes mais sobre o resultado do que deveríamos pagar sobre a folha de salários. Só essa discrepância já serviria para tornar o tributo inconstitucional, pois a quebra do princípio da igualdade e isonomia é irrefutável, tendo em conta que o empregador urbano recolhe sobre a folha de salários enquanto o rural sobre a receita bruta (base de cálculo muito mais onerosa). Em segundo lugar, nossas ações, sobretudo as da Aiba, blindavam a cobrança sobre o resultado e também sobre a folha, pois impediam o chamado efeito repristinatório (retorno da cobrança sobre a folha de salários), de modo que não haveria risco de pagar mais sobre o outro modelo de contribuição, inclusive aos produtores que fizessem uso intenso de mão-de-obra. Razão pela qual o argumento da CNA junto ao STF foi absolutamente falacioso, com o único e vil desiderato de manter a cobrança e com isso salvar os seus 0,2% destinados ao SENAR (tributo que, sozinho, inevitavelmente seria questionado pelo produtor).

Só o SENAR gera aos cofres do sistema CNA cerca de 1,5 Bilhões de reais por ano, o que demonstra o interesse da entidade pela manutenção da cobrança como está hoje, vinculada aos 2,1% do Funrural.

Movimentos de produtores para reversão dessa ação serão inevitáveis. Só teremos a possibilidade de pressionar o legislativo, executivo e judiciário, na medida em que o setor mostrar o seu descontentamento com o que restou decidido e a grande insegurança jurídica gerada com o atual quadro. Medidas propositivas, para o futuro, também poderão ser construídas agora, como a redução da alíquota para setores que tradicionalmente usam menos mão de obra ou a possibilidade de escolha, tributar sobre a folha ou sobre o resultado, como forma de proteger eventuais culturas como a fruticultura e a produção de café.

O movimento Voz do Campo, nascido em Passo Fundo/RS, já organiza produtores de todo o Brasil para manifestações entre os dias 01 e 03 de maio, ocasião em que será realizada audiência pública objetivando debater o tema, uma grande oportunidade para demonstrar o prejuízo que o Funrural causa justamente aqueles que se utilizam de tecnologia e possuem menos funcionários, pois, na prática, estamos recolhendo aproximadamente 15 Bilhões de Funrural por ano, enquanto nossos funcionários (1,5 milhões segundo dados do Dieese) precisariam de pouco mais de 5 Bilhões para cobrir a sua previdência, ou seja, os valores que estamos recolhendo estão servindo para pagar, além da nossa, a previdência urbana e os desvios que a União faz com os recursos através da DRU – Desvinculação de Receitas da União.

Movimentos serão decisivos para sensibilizar a União e o STF.

Para os produtores da Aiba que tem decisões favoráveis pela inexigibilidade do Funrural, ao menos por enquanto, nada muda. As decisões devem ser respeitadas até o trânsito em julgado, ou seja, deve permanecer a suspensão, pois a questão ainda não restou definida, nem no STF, onde cabem recursos, nem nos casos concretos, que dependem de decisões por parte do Tribunal Regional Federal da 1º Região.

Para os que querem adotar medidas mais conservadoras, a orientação é para que passem a depositar em juízo o valor do Funrural, o que poderá ser orientados por nossa assessoria jurídica em Barreiras, ou mesmo junto a Associação.

Enfim, são estas as breves considerações sobre a controvertida decisão do Supremo Tribunal Federal. Estamos trabalhando, em todas as vias possíveis para tentar reverter a decisão e restabelecer a jurisprudência do STF, a fim de que a segurança jurídica[3] e a confiança do jurisdicionado possa ser restaurada. Contudo, como disse, a força maior será a da mobilização e da presença dos produtores em Brasília, principalmente no dia 03 de maio na audiência pública que será realizada. Maiores informações podem ser obtidas através dos telefones 48-3025-2728 ou 48-99156-0636.

Brasília, 20 de abril de 2017.

 

JEFERSON DA ROCHA – OABSC 21560
Pres. Da CDAgro OABSC
Advogado responsável pelas ações

 

http://sucessonocampo.com.br/2017/04/02/instituicoes-e-liderancas-criticam-cna-quanto-a-sua-posicao-funrural/
http://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2017/04/estudo-da-farsul-aponta-que-funrural-e-499-mais-caro.html
https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/agronegocio/190337-andaterra-trabalha-para-que-o-supremo-volte-a-reconhecer-a-inconstitucionalidade-do-funrural.html#.WPirARjeFsM

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